15.5.12

Era Uma Vez na Anatólia
Título original: Bir zamanlar Anadolu'da
De: Nuri Bilge Ceylan
Com: Muhammet Uzuner, Yilmaz Erdogan, Taner Birsel
Género: Drama
Classificação: M/12
Outros dados: Turquia, 2011, Cores, 150 min.


"É noite na ondulada estepe do planalto da Anatólia. Há silêncio, isolamento, quietude. Um grupo de polícias, com um médico legista e um procurador, conduz dois prisioneiros na tentativa de encontrar um cadáver. A memória do local onde foi colocado está difusa, os criminosos evocam excesso de álcool na noite do crime para a sua presente confusão. Mas o grupo não desiste e, de lugar em lugar, persegue o seu objetivo. Como demora a atingi-lo, nós vamos conhecendo aquelas pessoas, escutando histórias, entendendo angústias, atinando inclinações. E vamos percecionando o tecido social e uma dor disseminada, uma incomodidade geral, uma infelicidade que não tem mote, mas é tão aguda como uma faca de revolver tripas."
"Nuri Bilge Ceylan faz este seu filme de um modo coral. Não lhe interessa um protagonista — embora a figura do médico acabe por ir emergindo, não para o conhecermos melhor, mas para que os seus gestos e palavras revelem os restantes. Não tem um fio de história, tem um tecido. É como se nos quisesse mostrar um movimento coletivo trabalhando cada detalhe com a minúcia de um tecelão de tapetes. E em cada motivo propiciando um enigma que vagarosamente se desvela.“Era uma Vez na Anatólia” é um filme longo (150 minutos) e que segue o habitual modus operandi do seu realizador: lentidão de exposição, planos demorados e minuciosamente compostos, um quadro minimalista de eventos, uma atenção muito especial aos personagens, à escrita. Quem quiser identificar o estilo, pode conhecer outros filmes de Ceylan no ciclo que decorre, em exibição no Espaço Nimas, Lisboa, entre ontem e domingo."
"Há um manifesto desafio à hipótese de tédio no espectador, na esteira de alguns dos mestres em quem invariavelmente pensamos ao ver os seus filmes (Antonioni, Tarkovski, Delvaux — particularmente notório por causa da cena da autópsia que acorda a memória de “O Homem da Cabeça Rapada”). Mas em nenhum dos seus filmes anteriores essa hipótese foi tão brilhantemente vencida. O tédio é uma fera que nos pode devorar ou que será domada. Ceylan consegue a dominação porque nos vai apresentando motivos de intriga (vão encontrar o corpo?, e de quem é?, e porque o mataram?, e quem?, e o que vai acontecer à lindíssima rapariga, filha do autarca da aldeia?, e porque conta o procurador aquela história de uma mulher que anunciou ir morrer e morreu mesmo?, e que drama oculta aquele polícia?, e porque é que não acreditamos na perversidade do suposto criminoso? e... podia continuar a desfiar interrogações)."
"A escrita de “Era uma Vez na Anatólia” é de uma astúcia requintada. Tão sagaz que, num filme quase completamente povoado por homens, são as mulheres que emergem como mestres da existência. Primeiro através da mulher do polícia, num telefonema que entendemos em registo de quase comédia (a mulher que quer controlar o seu homem) antes que o desenrolar do filme nos mostre outra coisa. Depois a bela rapariga no meio da noite e do vento (e já nem sei se são os personagens que lhe interrogam o destino, se somos nós que nos pomos a arquitetar ideias). A seguir a história — mágica, terrível — que o procurador conta, cada vez com mais insistência, uma onda de emoção que emerge e cresce e engole. E, por fim, a mulher do homem morto (a última imagem que nos fica é ela a afastar-se, nós com o médico a olhá-la da janela e a pensar o que nunca é explicitado). Ah, quem soubera do que são capazes as mulheres quando a alma se endurece!" Jorge Leitão Ramos, Expresso de 05/05/2012