21.5.12

Procurem Abrigo
Título original: Take Shelter
De: Jeff Nichols
Com: Michael Shannon, Jessica Chastain, Shea Whigham
Género: Drama, Thriller
Classificação: M/12
Outros dados: EUA, 2011, Cores, 120 min.



"A definição de “Americana” enquanto tema centrado na família tem uma linha nobre no cinema dos Estados Unidos, de Griffith a Ford, de Spielberg a Cimino, passando por um dos filmes favoritos de Nichols, “Noivos Sangrentos”, de Terrence Malick e, mais recentemente, pelo cinema de M. Night Shyamalan. Nichols, como Shyamalan, parte dessa base em “Procuramos Abrigo”. Sabe como passar um efeito de catástrofe familiar por pequenos detalhes: uma máquina de construção que deixa de trabalhar; um cão que rosna mais do que é normal; uma rajada de vento mais violenta que se faz ouvir nas folhas das árvores. O terror instala-se a conta-gotas: Nichols consegue inventar uma ameaça abstrata, crepuscular, em que o perigo chega de um presságio de apocalipse escrito no céu. Em simultâneo — e isto não sucedia em “Histórias de Caçadeiras”, mais consciente dos seus limites —, o cineasta joga uma cartada universal: afinal, aquela pequena família formada por Curtis e Samantha existe um pouco por toda a América, não é um exclusivo do Midwest onde o filme foi rodado."
"E esta é uma América angustiada, que ama os seus filhos mas já não consegue comunicar com eles nem sabe como protegê-los (é genial a ideia de fazer da pequena Hannah uma criança surda-muda: Curtis e Samantha só comunicam com ela através de gestos). Não se torna por isso Curtis o seu maior inimigo? E até onde pode ir a confiança (a de Samantha pelo marido) quando se ama realmente alguém? Tudo isto é obviamente teoria que só interessa quando aplicada à prática. Se a de Nichols fosse trivial, o filme não deixaria de o ser. Estamos contudo perante um trabalho cinematográfico complexo em que a ameaça em si não vale pelo seu efeito espetacular (o cinema de Nichols não quer nem tem meios para concorrer com Hollywood: aliás, é o seu oposto), mas pelo efeito que causa nas personagens. Em “Histórias de Caçadeiras”, que era um filme sobre a vingança, Nichols trabalhava sobretudo com planos de uma rigidez absoluta, tão pegados de estaca como as personagens aos enquadramentos. Em “Procurem Abrigo”, que é um filme sobre a demência, o regime de imagens altera-se. A história ditou outro tipo de realização. Nos planos, a câmara tem uma tendência a aproximar-se ligeiramente das personagens. Tal como em “Shining”, de Kubrick, ou “Rosemary's Baby”, de Polanski, esse movimento é o máximo responsável pela paranoia que se instala, uma paranoia que não pede licença para entrar no ecrã, num crescendo de ambiguidade que explode nas sequências finais em que a família se refugia no abrigo, no escuro, sem saber o que se passa cá fora."
"O que queremos dizer é que é o ponto de vista da câmara que gera a pressão. Gera uma força quase sobrenatural que, para convencer como neste filme convence, é prova de um realizador com talento." Francisco Ferreira, Expresso de 19/05/2012