22.1.13


Reality
Título original: Reality
De: Matteo Garrone
Com: Aniello Arena, Loredana Simioli, Nando Paone
Género: Comédia Dramática
Classificação: M/12
Outros dados: ITA, 2012, Cores, 115 min.


"Quando o filme começa, o olhar vem do alto, num intrigante plano-sequência que segue, pelas ruas de um subúrbio napolitano (o Vesúvio não deixa que nos enganemos quanto ao local), uma carruagem engalanada que acaba por entrar num espaço que parece de conto de fadas. Mas é apenas o cenário kitsch para um casamento popular, onde não vai faltar a atração especial: Enzo, o homem que ganhou o “Big Brother” e agora anda a fazer aparições pagas em eventos, recolhendo os proveitos da fama, com a admiração e inveja dos seus concidadãos. Luciano, o homem que vende peixe e completa o orçamento com uns ilícitos esquemas, é isso mesmo que vai perseguir ao longo do filme: a admiração dos outros e a inveja decorrente. Entrar na próxima edição do “Big Brother” vai-se tornar primeiro um sonho risonho, de-pois um desejo, por fim uma obsessão."


"Se “Reality” fosse apenas a história de uma monomania, não nos interessaria muito. O que o torna um filme sobejamente apelativo é que, ao contrário dos reality shows (que nos querem vender a mais descabelada manipulação como se fosse a realidade transparente), Garrone consegue uma espantosa panorâmica social sobre uma certa gente napolitana, as suas ilusões, o seu linguajar saboroso (meu Deus, como é bela a sonoridade daquele dialeto!), as suas esperanças, uma humanidade alienada, por vezes grotesca, para com quem a câmara tem díspares disposições: por um lado gosta dela, por outra percebe as suas ‘monstruosidades’, na sequência de uma longuíssima tradição italiana que passa por Totò, Ger-mi, Monicelli, Risi, Scola, que sei eu? E o realismo emerge pela estratificação dos géneros e das suas regras, a verdade dos rostos e da fala torna espessa a ficção, o faz de conta."


"Só que o cineasta não quer ficar preso ao realismo, deseja a fábula moral sobre a fama como objetivo popular do nosso tempo (“não quer aparecer na televisão?”, disse-me, com espanto, um responsável quando declinei ir a certo programa). Estar na montra, ser reconhecido no café, ser invejado pelos familiares, pelos amigos — é disso que o filme fala. E o preço? Quando Luciano suspeita que todos em volta são enviados pela televisão para espiar se ele merece entrar no “Big Brother”, a loucura instala-se. “Reality” deixa, então, o realismo, entra no domínio do quase fantástico num vórtice que culmina com a sequência final, com o protagonista a entrar para a casa mais vigiada do país — sem que ninguém o veja. A câmara de Garrone pode, então, voltar ao céu."


"O olhar de Deus sobre a Humanidade é misericordioso? É — e isso sal-va “Reality” de qualquer acusação de desfrute. Garrone nunca é chocarreiro, mesmo quando, pelos interstícios deste filme doloroso, destila uma imensa comiseração pela pobre gente que lá anda e um ódio encapelado pela exploração que a televisão dela faz. Jorge Leitão Ramos, Expresso de 19/01/2013