24.3.05

VITÓRIA DA ESQUERDA OU DO CENTRO?
Por Manuel Silva

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No passado dia 20 de Fevereiro, os partidos de esquerda parlamentar somaram 59% de votos, enquanto a percentagem conjunta do PSD e do CDS não foi além dos 36%. Desde o PREC que as forças não socialistas não registavam uma derrota tão copiosa.

Significam estes resultados que a maioria do eleitorado quer políticas à esquerda?

A soma de votos da CDU e do BE é superior em 4% aos resultados obtidos por estes partidos em 2002. Relativamente às eleições legislativas ocorridas naquele ano, o PS passou de 38% para 45% (+7%). Como o PSD baixou de 40,2% para 28,7% (-11,5%), facilmente se constata terem-se deslocado os seus votos essencialmente para o PS ( e alguns para a abstenção, o voto branco ou o CDS). Contas feitas, conclui-se ser o acréscimo de votos de comunistas e bloquistas proveniente do eleitorado socialista.

Este quadro prova:

1º - a vontade do eleitorado em punir a política governamental que desde o Verão passado se caracterizou pela superficialidade mediática, a ausência de qualquer projecto estruturado e uma actuação errática, cujas consequências, a nível financeiro, económico e social, foram negativas. Basta recordar que após um ano de crescimento económico positivo, nos dois trimestres em que Santana Lopes foi primeiro-ministro, aquele crescimento voltou a ser negativo.

Todos estes factos determinaram uma quebra acentuada de confiança entre investidores e consumidores. As confederações patronais, cuja maioria de dirigentes é insuspeita de ser de esquerda, e que aconselharam o Presidente da República a nomear Santana Lopes para a chefia do governo em Julho do ano transacto, não por acaso, após a dissolução da AR, emitiram declarações em apoio de tal decisão.

Acabou o mito, segundo o qual Santana Lopes ganhava qualquer eleição. Há 22 anos que os sociais democratas não registavam uma percentagem eleitoral abaixo dos 30%.

Também o CDS, apesar de se ter distanciado da actual direcção do PSD, registou uma derrota, não alcançando nenhum dos seus objectivos, o que levou Paulo Portas a abandonar a liderança “popular”.

Mais que o PSD e o CDS , foram Santana Lopes e Paulo Portas os principais repudiados pelo eleitorado.

2º - A vitória socialista, a primeira com maioria absoluta, deve-se, não ao voto útil de esquerda, mas à conquista do eleitorado central, o mesmo que deu vitórias, no passado, a Sá Carneiro, Cavaco Silva, Durão Barroso, Mário Soares ou António Guterres.

Mais uma vez as eleições foram ganhas ao centro. O afastamento do PSD, sob a liderança de Pedro Santana Lopes, da sua matriz central e reformista, dando imagem de um partido de direita pouco distinto do CDS, foi outro factor na origem da vitória de José Sócrates e do PS.

José Sócrates é um socialista moderado. Está rodeado de outros socialistas igualmente moderados, mas responsáveis pelo pântano em que António Guterres deixou o País. Manterá aquela moderação ou será influenciado pelo PCP e o BE, agora mais fortes, bem como a ala esquerda do seu partido, Mário Soares incluido, à qual infligiu uma pesada derrota aquando das eleições para secretário-geral do PS?

Do programa eleitoral do PS não se vislumbra vontade em reformar o Estado-Providência, diminuindo os seus custos. Pelo contrário, segundo diversos economistas, as propostas socialistas naquela matéria apontam para o aumento de despesas. Assim sendo, dada a necessidade de cumprir o PEC, dificilmente poderá ser aplicada uma política fiscal atraente para o investimento. Numa altura em que os dez novos países de leste aderentes da UE, além de uma mão de obra mais barata e mais qualificada, têm taxas de impostos equivalentes ao nosso IRC abaixo dos 20%, sujeitamo-nos a ser ultrapassados pelos mesmos em poucos anos.

O próximo governo dispõe de uma maioria absoluta. Não tem justificação para falhar. Daqui por quatro anos, terá de responder pelos seus objectivos mais emblemáticos: melhoria acentuada das pensões de reforma mais baixas, crescimento económico anual de 3%, criação de 150 000 postos de trabalho e choque tecnológico.

O PSD, para se afirmar como oposição e alternativa válida e coerente, deverá:
a) assumir-se como partido social democrata, reformista e de centro, repudiando
qualquer nova deriva de direita;
b) romper o acordo feito entre Santana Lopes e Paulo Portas, pois alianças desse tipo já provaram subtrair e não somar;
c) rejeitar o populismo, fazendo política assente em ideias e princípios.

No próximo congresso, os sociais democratas deverão eleger o candidato que melhor cumpra aqueles requisitos.

O PCP, apesar de obter muito menos votos que na época pré-perestroika, melhorou o seu score e aumentou o número de deputados. O seu líder, apesar de simpático, é um ortodoxo – mais do que Carlos Carvalhas – o que demonstra não terem futuro no partido os chamados renovadores. A base social de apoio que resta ao PCP é esmagadoramente ortodoxa.

O BE teve um crescimento espectacular e surpreendente. Tal deve-se a ter posto de lado ideias típicas das organizações que lhe deram origem, como ditadura do proletariado, revolução popular, etc, e aparecer como defensor de novas causas politicamente correctas, minoritárias, mas apoiadas por significativos sectores, como intelectuais e artistas de esquerda, burguesia e média burguesia urbana radical-chic, ou jovens contestatários do sistema.

O BE representa na esquerda o papel do PP na direita: a contestação ao “sistema” e aos grandes partidos. Quando o PP entrou para o governo e se institucionalizou, baixou a sua votação significativamente. O mesmo acontecerá ao BE se um dia chegar ao governo na companhia da esquerda mais moderada.

In, NOTÍCIAS DE LAFÕES, de 10/3/2005