Por Manuel Silva
«Fala-se muito da violência das águas do rio. Esquece-se, todavia, a violência das margens que o comprimem.»
B. Brecht
B. Brecht
A frase do dramaturgo alemão acima mencionada veio à minha memória aquando do recente assalto por arrastão na praia de Carcavelos.
Pelo que foi noticiado, cerca de meio milhar de adolescentes e jovens moradores em bairros degradados de Lisboa e arredores assaltaram e agrediram inúmeras pessoas que se encontravam naquela praia, imitando jovens delinquentes brasileiros.
No Brasil como em Portugal, os autores de tais "façanhas" são rapazes e raparigas pobres e excluidos, a maioria dos quais vivem em condições infra-humanas. Quando trabalhei em Lisboa, por razões profissionais desloquei-me a alguns desses bairros e vi quão duro era ali residir.
Com o agravamento do desemprego, tais situações tenderão a multiplicar-se. Se é certo ser necessário reforçar e apoiar a polícia no combate a este e a outros tipos de criminalidade, não é menos certo que tal combate não será eficaz se não forem tomadas medidas de carácter social integradoras desta gente na sociedade.
Contrariamente a certa "esquerda", entendo que nem toda a criminalidade tem uma raiz social, mas que a pobreza e a miséria dão um grande contributo para o propagar da mesma, não haja qualquer dúvida.
Há também uma certa "direita", como a representada pelo "has been" Paulo Portas, que só fala de medidas securitárias, esquecendo a parte social no combate à criminalidade. Seria bom que tal gente reparasse mais na política dos republicanos americanos que tanto elogia apenas e só quando lhe convém. Não lhe faria nada mal reflectir sobre as afirmações do presidente George Bush (pai) aquando da revolta de negros em Los Angeles, há muitos anos, segundo as quais reconhecia ter o seu governo falhado na integração social dos revoltosos, procurando, a partir daí, inverter a situação.
Esta situação prova também que a luta de classes continua a existir. Aliás, Karl Marx não a inventou. Teorizou-a, pois a mesma existe desde que na pré-história os fortes criaram o Estado opressor dos fracos.
Contrariamente, no entanto, ao que disseram Marx, Engels e seus seguidores, nem toda a História é a História da luta de classes. Foi, de resto, a concertação social e a harmonização de classes que criou sociedades mais justas e equilibradas. No entanto, mesmo no mundo mais desenvolvido ainda há exclusão social, embora minoritária. O fim dessa exclusão passa por mais mercado, menos impostos e menos intervenção estatal e maior liberalização.
É esse o grande desafio para os liberais: diminuir as diferenças sociais mais gritantes e, parafraseando o mais destacado teórico do liberalismo económico, Adam Smith, criar uma efectiva rede social abaixo da qual ninguém caia.