20.5.07

Zodiac
Título original: Zodiac
De: David Fincher
Com: Jake Gyllenhaal, Mark Ruffalo, Robert Downey Jr.
Género: Dra, Thr
Classificação: M/12
Estúdios: Paramount Pictures, Warner Bros.
EUA, 2007, Cores, 158 min.

Realizado por David Fincher ("Seven" e "Clube de Combate"), o filme baseia-se na história verídica de um assassino em série que aterrorizou a baía de São Francisco, um dos mais intrigantes casos por resolver da história da criminologia. A caça ao homem que deixa um rasto de códigos e cartas como pistas torna-se uma obsessão para quatro homens, cujas carreiras e vidas são afectadas por este caso.



"Para os amantes de cinema, o novo filme de David Fincher — Zodiac — era um dos mais esperados do ano. Com razão: a obsidiante viagem a um dos mistérios criminais do século XX é um filme de uma envolvência quase insalubre, magnificamente escrito e interpretado, uma obra para o galarim de 2007."

"O assassino de Se7en era um evidente produto de ficção. O assassino de Zodiac é um personagem real que, durante anos, nas décadas de 60 e 70 do século passado, foi fazendo sucessivas vítimas na região de São Francisco, enviando mensagens cifradas, telefonemas, insultos, até desaparecer tão misteriosamente como chegara. Os crimes de Se7en eram encenações dantescas, horríveis mas, de algum modo, sedutoras na sua malignidade de assombração infernal. Os crimes de Zodiac são prosaicos, quase banais, filmados com a secura factual das constatações (nem se ouve o ribombar dos tiros pelo Dolby da sala de cinema...) Por outro lado, Se7en era filmado em forma de jogo entre o gato e os ratos, enquanto Zodiac está firmemente plantado do lado dos ratos — as vítimas, os investigadores e nós."

"Ambos os filmes, todavia, partilham um sentimento: a obsessão. Em Se7en o protagonista, jovem polícia a braços com o caso, acabava, ele mesmo, vítima daquele que perseguia. A rota de Zodiac é a do progressivo aniquilamento psicológico de todos os que se debruçam sobre o caso no intento de o resolver. Em primeiro lugar os polícias encarregados da investigação, numa busca de anos sempre falha de resultados. Mas o filme acaba por centrar-se do lado dos jornalistas do «San Francisco Chronicle», Paul Avery (Robert Downey Jr.), um repórter criminal experimentado e, sobretudo, o jovem cartoonista Robert Graysmith (Jake Gyllenhaal) que começa por resolver a cifra das mensagens, no decorrer da fita vai ganhando preponderância, torna-se protagonista e, eventualmente, é o homem que mais se aproxima da verdade (o argumento do filme foi, aliás, baseado nos dois livros que escreveu sobre o tema). Só que, para lá chegar, vai perder tudo (emprego, mulher, sanidade), como se o Mal contagiasse: não se devem aceitar desafios do diabo. Metafísica? Nem tanto: um dos elementos espantosos de Zodiac é a constatação de que, muito provavelmente, o assassino seria apenas um homem vulgar, brutal e boçal, no fundo imerecedor de tanto interesse. Este filme não repete os filmes, retrata a realidade. Ironia: o homem terá tido inspiração num clássico do cinema (O Malvado Zaroff/The Most Dangerous Game) e o próprio filme joga com as nossas referências e expectativas nascidas na sala escura (soberba a sequência em que Graysmith encontra o projeccionista de cinema, naquela cave sinistra e prenunciadora de confrontos medonhos). Mas logo se queda, inflecte, sublinhando-nos o terreno onde as raízes da fita se ancoram. David Fincher filma tudo isto com a precisão documentalista de quem carreia informações, factos, dados e a sabedoria narrativa de quem sabe todos os cordéis com que faz uma boa história em cinema. E também todas as técnicas, da fotografia à banda sonora, à reconstituição de época. Zodiac é, aliás, um dos prodígios do actual «estado da arte» em matéria de câmaras digitais HD (no caso a Thomson Viper Filmstream Camera)."

"A história verídica do «serial killer» de São Francisco acabou inconclusiva, as investigações oficiais não chegaram a lado nenhum. Gyllenhaal chega um pouco mais perto, mas a sua verdade nunca foi provada. Nisso Zodiac afasta-se dos cânones de Hollywood que determinam que um filme há-de ser a encenação do conflito e da desordem, mas que, no seu termo, o mundo terá que ficar pacificado, senão pelo castigo dos prevaricadores, pelo menos pela compreensão dos seus pecados. E, com isso, há-de frustrar muito espectador que não aceita esperar duas horas e meia e não ter solução para as inquietudes. Mas a vida é assim."

"Por estes dias a opinião pública anda atordoada com o caso do desaparecimento de uma menina, no Algarve. A todos os que esperam que a polícia tenha a desenvoltura e os resultados do «Dirty» Harry, este filme dá uma resposta de chumbo: há crimes sem castigo, há criminosos que continuam, ignotos, a andar no meio de nós."
Jorge Leitão Ramos, Expresso de 19/05/2005

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O que é mais notável em Zodiac é a estratégia narrativa. David Fincher abdica de toda a espectacularidade e põe o acento tónico no processo. Zodiac não é um whodunit mas uma investigação na sua faceta mais burocrática. Os filmes com assassinos em série escolhem quase sempre a dimensão demoníaca; Fincher, pelo contrário, analisa essencialmente os aspectos demorados, fastidiosos, inconclusivos. Poucas vezes se viu uma investigação tão longa num filme, com tantas legendas temporais que sinalizam um processo interminável. É isto também que é um processo policial (ou judicial): um amontoado de pistas e provas, de dúvidas e suspeitas.

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É o facto de ser maçador que o torna tão bom. Porque é longo, circunstanciado e meticuloso, o filme consegue passar para o espectador aquilo que as personagens vão sentindo: da curiosidade ao desconforto ao cansaço à angústia ao desespero. E é isso que é o cinema. Numa palavra - como disse Samuel Fuller - emotions.