12.12.07

A Bússola Dourada
Título original: The Golden Compass
De: Chris Weitz
Com: Nicole Kidman, Daniel Craig, Dakota Blue Richards, Ian McKellen
Género: Ave, Fantasia
Classificação: M/6
EUA/GB, 2007, Cores, 113 min.

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"Ainda não se tinha estreado e já a polémica voava (como uma das bruxas do filme) sobre A Bússola Dourada. Polémica não será de facto, porque o filme a não justifica, podia-se falar, antes de mais, de vigilância censória. Parece que a Liga Católica americana apelou ao boicote do filme pelos fiéis, alegando que veicula uma mensagem ateísta. Ou melhor, face ao evidente exagero da acusação para quem já tenha visto o filme, porque se as crianças dele gostarem poderão ter vontade de ler o livro de onde é adaptado (que já está também traduzido em português), esse sim o verdadeiro alvo da acusação. Como não conheço a trilogia literária de Philip Pullman, baseando-me apenas no filme que Chris Weitz realizou, parece-me bem exagerada a afirmação. Resta saber até que ponto tudo isso não se inscreve na habitual estratégia de promoção."

"Antes de mais, A Bússola Dourada é um belo espectáculo de aventuras para os adolescentes, que conjuga todas as fantasias e desejos de evasão, mas também a defesa da sua personalidade e livre escolha (será por isso que a referida Liga embirra com livro e filme?), como são também, de forma e qualidade diferente, O Senhor dos Anéis e as aventuras de Harry Potter. Há muitas semelhanças entre estas três incursões da fantasia. Todas decorrem num mundo de magia e fantasia, por universos paralelos. E todos têm como personagens principais crianças ou adolescentes, com um estranho poder e/ou um segredo, que vão entrar num mundo cheio de perigos, num percurso iniciático, que tem sempre a ver com a sua própria iniciação na vida."

"A Bússola Dourada adapta o primeiro volume da trilogia de Pullman, His Dark Materials, originalmente intitulado Northern Lights, título que a edição americana mudou para The Golden Compass, que ficou também para o filme. A realização de Chris Weitz (que os espectadores conhecem como autor de alguns sucessos de bilheteira como American Pie e Era Uma Vez Um Rapaz) não é particularmente imaginativa. Deste ponto de vista, A Bússola Dourada não aguenta a comparação com O Senhor dos Anéis, de Peter Jackson, que era mais do que uma simples aventura de fantasia, mas também um trabalho estético de grande qualidade que não dependia exclusivamente dos efeitos especiais. Estes, em A Bússola Dourada, são, de facto, fora de série, mas a narrativa parece estar demasiado dependente deles. É o caso, por exemplo, da sequência mais espectacular do filme: a batalha com que termina esta primeira parte da trilogia: brilhante, mas vulgar, sem o rasgo de génio da que terminava a segunda parte de O Senhor dos Anéis, que congregava toda uma série de imagens do cinema clássico."

"A história decorre num «universo paralelo», apesar da geografia reconhecível (ou talvez por isso, porque o que fazem as crianças senão projectar sobre o mundo real os «universos» que lhes povoam os sonhos?), onde todos os humanos têm o que ali se chamam o seu «demónio» particular, que mais não é do que a sua personalidade, cambiante ainda em crianças, até se fixar no animal que melhor reflecte o seu carácter: há o majestoso tigre de Lord Asriel/Daniel Craig, que logo o identifica como «herói», e o macaco de Marisa Coulter (Nicole Kidman) que desde a sua aparição, insinua o perigo e a ameaça, enquanto o da jovem heroína Lyra Belacqua (a estreia da jovem Dakota Blue Richards, escolhida entre 10 mil candidatas ao papel) está ainda em mutação, ora como pássaro ora como gato e por outras metamorfoses, de acordo com as situações em que se encontra. Apenas os humanos os têm (o maior desejo do Rei dos Ursos é ter também o seu «demónio»)."



"Lyra recebe, das mãos de um mestre do colégio, um objecto especial que permite, a quem o souber ler, conhecer o carácter dos que o rodeiam e os perigos que o cercam. Mas só Lyra parece ter essa faculdade. Ela torna-se, portanto, o alvo principal da misteriosa organização que controla a vida naquele mundo e que tem por objectivo fazer dos cidadãos verdadeiros «robots», sem autonomia nem pensamentos próprios. Para isso é necessário proceder a uma operação: a amputação do «demónio» de cada um, isto é, da personalidade e da razão. Esta amputação dos «demónios» no mundo paralelo corresponde a certas formas de educação que «castram» a vontade e a personalidade, impõem regras e condições no nosso mundo. Que melhor exemplo do que a educação religiosa? Esse terá sido o verdadeiro objectivo de denúncia do escritor, bastante atenuado no filme, mas mesmo assim visível em mais de um momento, como no que diz a bruxa Serafina Pekkala (Eva Green) a Lyra no termo da batalha final: «A verdadeira guerra começa agora, pelo livre arbítrio.»"
Manuel Cintra Ferreira, Expresso de 08/12/2007