Histórias de Caçadeiras
Título original: Shotgun Stories
De: Jeff Nichols
Com: Michael Shannon, Douglas Ligon, Barlow Jacobs
Género: Drama, Thriller
Classificacao: M/12
EUA, 2007, Cores, 92 min.
Título original: Shotgun Stories
De: Jeff Nichols
Com: Michael Shannon, Douglas Ligon, Barlow Jacobs
Género: Drama, Thriller
Classificacao: M/12
EUA, 2007, Cores, 92 min.
"O LUGAR é o Arkansas, uma pequena cidade rural em terra de fim do mundo, com paisagens largas e tédio a condizer, filmada em formato scope por dentro do qual o tempo se derrama e a sufocação cresce. Houve um tipo, anos atrás, alcoólico, que fez três filhos numa mulher com quem vivia, mas nem sequer se preocupou em lhes dar nomes de gente. A um chamou simplesmente Son, a outro Kid e, ao mais novo, Boy — e, depois, foi-se embora, deixando-os entregues a uma mulher odiosa (é Son quem o diz) que, por sinal, era a mãe. Entretanto fez uma cura, encontrou Jesus, reabilitou-se, pelo menos aos olhos da sociedade. Arranjou outra mulher, fez outros filhos, levou uma vida de homem crente e temente a Deus, assim o garante o oficiante religioso do seu funeral a que vão, sem serem convidados, Son, Kid e Boy. Son acaba a cuspir no caixão do pai desencadeando uma guerra fratricida com os seus meios-irmãos. A tragédia instala-se."
"“Histórias de Caçadeira” é um filme feito de violências viscerais que raramente se tornam explícitas no ecrã. Há as marcas, as consequências, os actos não. A começar pelo passado dos três irmãos, Son, Kid e Boy, que presumimos feito de abandono afectivo e cuidados precários. Ainda agora eles vivem uma existência ao deus-dará. Son tem uma profissão rude na aquacultura local, mas dissipa quase tudo o que ganha num sistema com o qual julga poder ganhar infalivelmente no casino; no início do filme, a mulher deixou-o e levou o filho com ela, por isso mesmo. Kid sonha em casar com uma rapariga, mas vive numa tenda, não tem sequer uma carrinha, uma profissão, um lugar onde morar — e tem medo das responsabilidades de adulto. Boy vive num furgão, derrete-se com o calor que lá faz, transporta um aparelho de ar condicionado que quer pôr a funcionário ligando-o ao isqueiro do carro e sonha ser treinador de basquetebol. Ao contrário, os irmãos do segundo casamento do pai estão a tentar levar por diante uma exploração agrícola, parecem encarreirados na vida. Só que, quer uns, quer outros, ficam igualmente primitivos e cegos pelo ódio quando chega o momento de se defrontarem. "
"A lógica do filme, em que a violência entre os dois grupos vai crescendo, parece conduzir a uma situação de last man standing, ou seja, de eliminação sucessiva de contendores até que só um subsista. E isto vai acontecendo movido pelo combustível da fatalidade, como se o motor, uma vez posto em marcha, não mais se pudesse deter. Há qualquer coisa no ar — ou na terra, nos mosquitos ou, então, é o calor, a poeira que se desenha no sol posto — que alimenta a febre de não mais a paz ser possível. Não estou a fazer poesia barata, o que é relevante em “Histórias de Caçadeira” é precisamente a instalação desse clima que se cola à pele do espectador, como um visco que não sai, e que tanto provém dos planos fixos sobre a cidade desgostante, como da secura dos diálogos — veja-se a cena em que a mãe vai bater à porta dos filhos e dizer-lhes que o pai morreu — como se aquela gente pouco articulasse ou soubesse dizer. O filme não deixa, no entanto, que o manto negro da desesperança se cerre sobre os personagens, encontra uma porta de saída para eles, não digo uma via para a felicidade, essa estar-lhes-á sempre negada — mas que sabemos nós sobre a felicidade dos outros? Tomar umas cervejas no alpendre da casa, em silêncio, ao fim do dia, poderá ser uma aproximação? "
"“Histórias de Caçadeira” é um daqueles filmes independentes que poderiam ter ficado perdidos no limbo para onde vai a maior parte das produções que não encontram uma grande distribuidora para os fazer encontrar o caminho das salas. Esta fita onde Jeff Nichols se estreou com habilidade de autor completo (argumento e realização) acabou por encontrar o seu caminho através dos festivais (esteve em Berlim, em 2007) e chega-nos agora, um pouco atrasada, mas ainda a tempo de verificarmos que o outro cinema americano continua a ter motivos de interesse." Jorge Leitão Ramos, Expresso de 13/06/2009