Se ser de direita permaneceu como algo de pejorativo já ser de esquerda, desde que daquela esquerda delimitada pelo PS, tornou-se um traço distintivo pela positiva. A isto que já de si não é nada pouco juntou-se a extraordinária mais valia da aristocrática concepção do poder do pater familias dos socialistas portugueses, Mário Soares. Ver Soares a deslocar-se é talvez o que temos de mais próximo com o que terá sido a naturalidade aristocrática com que D. Carlos devia passear em Vila Viçosa. Mas Soares não trouxe para os socialistas portugueses apenas a concepção de que o poder lhes é naturalmente devido, cultivou-lhes o espírito de corte: há um séquito que lhe repete as graças, as conversas com os grandes do mundo, a maravilha dos quadros que lhe ornamentam as casas, a grandiosidade da biblioteca e, não menos importante, reage ao primeiro sinal de crítica àquele que definem como pai da democracia. Aliás uma das características mais comuns ao PS português é essa noção enraizada de família. Não por acaso o PS foi durante anos um partido de famílias cujos apelidos em muitos casos remontavam à I República e onde, ao contrário do que sucedia nas outras formações políticas à direita e à esquerda do PS, os filhos, desde a mais tenra infância, se reviam e revêem ideologicamente nos pais. Por isso um dos momentos mais simbólicos das últimas eleições é aquele em que Soares terá passado, segundo a definição da propaganda do PS, o testemunho a Sócrates lançando o slogan “Sócrates é fixe”, adaptação desse outro “Soares é fixe” que fixa o momento em que Soares além de fixe foi também feliz e vencedor. É óbvio que Sócrates não é fixe – coisa que está longe de ser defeito! – e Soares não ignorará que aquele que definiu como seu sucessor não acerta uma única vez quando tenta falar dos livros que diz que leu ou dos filmes que diz que viu. Mas o testemunho que passou de Soares para Sócrates nada tem a ver com os gostos ou com as ideias mas sim com a concepção do poder como coisa da sua gente.