Título original: Inside Job
De: Charles Ferguson
Argumento: Charles Ferguson, Chad Beck, Adam Bolt
Género: Documentário
Classificação: M/12
Estúdios: Sony Pictures Classics
EUA, 2010, Cores, 106 min.
"Sabe o leitor o que aconteceu até há poucos anos à Islândia, um pequeno país onde era doce viver, apesar do frio? Tinha um dos mais altos índices de qualidade de vida do mundo, uma economia próspera e controlada. Depois, este filme explica, nos primeiros dez minutos, o que aconteceu. Tudo começou com a gesta dos pequenos bancos públicos islandeses, que, privatizados por força de uma lenda moderna de que o Estado é sempre mau gestor, foram depois crescendo. E crescendo, crescendo, concedendo créditos a jovens empreendedores que, num ápice, passaram de homens ambiciosos a investidores multinacionais (na realidade, o que eles tinham era apenas dívidas) — ao mesmo tempo que os bancos se iam endividando no exterior. E comprando fundos internacionais, participando na euforia do crescimento exponencial, na economia global. O Governo apoiava, incentivava, exultava. A dívida externa tornou-se obscena. Depois, com a crise americana, os bancos colapsaram, levando o país consigo — à falência. O filme mostra homens de meia-idade, classe média-alta, dizendo, frente à câmara, que perderam tudo. Eu acho que os vi estremecer. Ou então fui eu."
"É apenas o princípio. Porque “Inside Job — A Verdade da Crise” é um documentário que vai mergulhar não no pequeno caso da Islândia (afinal de contas, com três centenas de milhares de habitantes, é um grão de areia neste nosso mundo) mas no grande caldeirão financeiro dos Estados Unidos que pôs esse mesmo mundo em estado de calamidade. Pelo ecrã passam alguns dos responsáveis, dos homens que na banca, nos seguros, nos organismos públicos ou no próprio poder de Estado transformaram biliões de dólares de dívidas incobráveis em fundos internacionais com os quais arrecadaram grossos cabedais empurrando milhões de subscritores para a bancarrota. E o filme mostra-os em circulação, da Universidade para o Estado, do Estado para a Banca, da Banca para os organismos de regulação do mercado — sempre adeptos de uma liberdade para os capitais, sem a qual nada daquilo se podia fazer. Ou seja, o filme diz-nos que os cidadãos não estão seguros porque o sistema está corrompido pela promiscuidade, já nem existe a decência de parecer que o poder dos bancos e o poder de Estado não são a mesma coisa, ocupados pelas mesmas figuras, defendendo os mesmos interesses. “Inside Job — A Verdade da Crise” é, antes do mais e acima de tudo, o retrato de uma ideologia sem valores éticos para os mecanismos financeiros. Não é por inveja que o filme enumera os proventos piramidais dos homens de Wall Street, as suas casas, iates, aviões — até prostitutas de luxo por lá passam. Não é para aplauso que vai apresentando os bónus obscenos que foram recebendo (484 milhões para o CEO do Lehman Brothers que levou à falência — e é só um exemplo). É para despertar a indignação dos que foram por eles espoliados, deliberadamente espoliados (o filme prova a intenção, não foi um acaso, estava previsto)."
"A fita, todavia, não é inflamada, não ergue o cornetim num toque a reunir, chamando os cidadãos para uma qualquer tomada da Bastilha ou assalto ao Palácio de Inverno. Está, também, nos antípodas da postura de um Michael Moore, com o seu humor truculento e sem escrúpulos de maior. Charles Ferguson, o realizador de “Inside Job — A Verdade da Crise”, não é um provocador agressivo. O seu filme é documentado com minúcia (aqui e ali excessiva, mas a economia, já se sabe, é matéria árida). No confronto com alguns dos vultos eméritos da América, ele nunca é impulsivo, questiona com a frieza e a determinação de quem sabe o que diz. Mas não larga — eé interessantíssimo vê-los baquear ou então sustentarem o que fizeram com uma cara de pau que é tão carregada de hipocrisia que apetece ir buscar a pá do lixo." Jorge Leitão Ramos, Expresso de 13/11/2010