O Atalho
Título original: Meek's Cutoff
De: Kelly Reichardt
Com: Michelle Williams, Bruce Greenwood, Will Patton, Zoe Kazan, Paul Dano
Género: Drama
Classificação: M/12
Outros dados: EUA, 2010, Cores, 102 min.
Título original: Meek's Cutoff
De: Kelly Reichardt
Com: Michelle Williams, Bruce Greenwood, Will Patton, Zoe Kazan, Paul Dano
Género: Drama
Classificação: M/12
Outros dados: EUA, 2010, Cores, 102 min.
"O nome da americana Kelly Reichardt chegou-nos pela primeira vez aos ouvidos aquando da estreia, em 2006, de “Old Joy”, a sua segunda longa, que, seguindo o fim de semana de dois velhos amigos na floresta, definia uma estética minimalista caracterizada pela redução da narrativa a um motivo elementar, pela sua atenção à paisagem (natural ou social) e pelas suas personagens en panne. Foi uma primeira impressão que viria a ser confirmada, dois anos mais tarde, com a estreia de “Wendy & Lucy”, que, a partir da história de uma rapariga cuja viagem até ao Alasca se vê interrompida pelo desaparecimento da sua cadela, assentava arraiais numa pequena cidade dos EUA para revisitar uma paisagem social realista que o cinema americano abandonou na década de 70. Neste sentido, o novo filme de Reichardt (“O Atalho”) renova os votos de simplicidade já feitos e reforça uma dupla certeza: a errância é o tema central da obra da realizadora, e o cinema americano dos anos 60-70 a sua principal fonte de inspiração (a tal ponto que, nos seus filmes, nada parece ter acontecido de então para cá)."
"“O Atalho” é um western revisionista imune ao distanciamento irónico que recria um episódio célebre da história americana do século XIX: o dos pioneiros que, no Oregon de 1845, decidiram recrutar um tal Stephen Meek (Bruce Greenwood) para os guiar até ao seu destino por um atalho nunca antes percorrido. Ora, dizer isto é já dizer mais do que, no início, Reichardt nos diz. De facto, quando “O Atalho” começa — in media res, sem prefácio —, tudo o que vemos é uma caravana de três famílias que, em silêncio, vão forjando com dificuldade o seu caminho através das desérticas planícies do Oregon. A ausência de explicações convida-nos a ficar ao nível das personagens, a partilhar os seus pontos de vista sem horizonte e os seus esforços sem finalidade aparente, em suma, a fazer nossa a errância delas (como no cinema de Monte Hellman, que parece servir de modelo ao filme de Reichardt). Aliás, aqui, será preciso esperar até que uma voz se ouça pela primeira vez; e, quando ela se faz ouvir, é apenas para nos dizer aquilo de que já suspeitávamos: que as personagens estão, como nós, à nora, entregues à orientação de um fanfarrão (Meek) que, à laia de consolo, só tem para lhes oferecer o pouco reconfortante “we’re not lost, we’re just finding our way”. Entretanto, os dias vão-se sucedendo às noites e transformando-se em semanas sem que a paisagem pareça sofrer a menor variação (e nessa experiência de imutabilidade de um espaço reside, de resto, o melhor do filme)."
"Neste quadro, a captura de um índio (que, aparentemente, seguia a caravana) introduzirá uma cisão, se não na morfologia da paisagem pelo menos na unidade do grupo, que se dividirá quanto ao destino a dar ao intruso: ou a morte (proposta de Meek) ou a vida, a troco da sua colaboração na descoberta de uma fonte de água capaz de os salvar de uma morte por desidratação (proposta de Emily Tetherow/Michelle Williams). A segunda hipótese prevalece e, a partir daí — sem nunca abdicar do seu tom minimalista —, Reichardt concentrar-se-á nas tensões desencadeadas pela integração do índio na caravana, explorando o conflito que se estabelece entre Emily e Meek e mostrando-nos como os membros do grupo se entregam (de forma desconfiada) à condução daquele absoluto estranho, cujos hábitos, língua e religião desconhecem. O problema é que o filme parece querer constituir-se como uma alegoria política, servindo-se da situação que retrata para comentar a atualidade e lançando mão, no processo, de uma lógica de equivalências pouco subtil (os pioneiros, o deserto, o estranho que é objeto de desconfiança... Será preciso dizer mais?). E, nesse gesto de reenvio de ontem a hoje, o filme eleva-se acima das personagens, sobrepõe o seu ponto de vista ao delas e acaba por perder o que de melhor tinha: a sua absoluta adesão a um espaço e a um tempo sem coordenadas onde, com as personagens, nos descobríamos claustrofobicamente condenados a uma errância sem fim." Vasco Baptista Marques, Expresso de 02/07/2011