9.10.11

Sangue do Meu Sangue
Título original: Sangue do Meu Sangue
De: João Canijo
Com: Rita Blanco, Anabela Moreira, Cleia Almeida, Rafael Morais
Género: Drama
Classificação: M/16
Outros dados: POR, 2011, Cores, 139 min.

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"Espantoso plano inicial. Dir-se-ia prodígio cenográfico, pórtico de entrada para uma ficção, digno de Kurosawa, com aquela letra gigantesca no interior da qual o Joca/Rafael Morais se afunda no caminho para um bairro de onde — havemos de perceber ao longo do filme — a vida encontra maneiras de não deixar (quase) ninguém sair. Mas não é cenografia, é apenas um elemento edificado, está lá no terreno. É o princípio de “Sangue do Meu Sangue”, inscreve uma matriz estética que Canijo vai assumir o tempo todo: a narrativa há de mergulhar no naturalismo até quase nos convencer que estamos a ver gente e vidas em carne viva, suspendendo todas as descrenças; ao mesmo tempo, mostrará o artifício, a construção, seja pela posição da câmara (não raras vezes olhando de um ponto ‘impossível’ — e haverá ações que se passam fora do olhar), seja pelo trabalho sobre o som, sempre inserindo um pequeno grão na transparência. O filme navega num turbilhão de fúria. É a história de uma família, a mãe cozinheira (Rita Blanco), uma irmã que trabalha num cabeleireiro e é dada a esoterias (Anabela Moreira), uma filha que estuda para enfermeira e trabalha num supermercado, um filho que já esteve internado correcionalmente e, se é apanhado noutra, vai mesmo preso (Rafael Morais). Os fios de uma existência dura vão tornar-se trágicos quando a filha se torna amante de um professor, médico e homem casado (Marcello Urgeghe), e quando o filho tenta dar um golpe no patrão do tráfico da zona (Nuno Lopes) — ambos a caminho de um preço insuportável. O amor das duas mulheres mais velhas pelos mais jovens da família vai tentar fazê-los sair do destino que se afigura negro. A história podia ser de telenovela — mas a sério. Uma telenovela onde os pobres não fossem castiços e os ricos não se armassem em viscondes da treta. Onde houvesse sangue, falta de espaço, suor, cansaço, pouco dinheiro, falta de esperança, promiscuidade, ideias feitas. Onde a forma como as pessoas falassem e os sons que rodeassem as suas existências as definissem por completo (e nunca houve, no cinema português, banda sonora tão vibrante e significativa, em que a mistura e a montagem acordassem universos inteiros). Uma telenovela que mostrasse que a vida é tudo, mesmo o horror, às vezes além do intolerável. Nem nos apetece saber — mas há quem por lá ande. O trabalho dos atores é superlativo. Primeiro na construção do argumento (documentado em “Trabalho de Actriz, Trabalho de Actor”, exibido na quinta-feira na RTP e editado em DVD). Depois na generosidade com que se entregaram a esta ficção (as atrizes aceitaram desfear-se para que os poros, o desalinho, o mau gosto das roupas definisse as personagens do Bairro Padre Cruz — e não é um detalhe). E sempre o talento a derramar-se num filme inesquecível."



"Injustíssimo destacar seja quem for num conjunto sublime, mas refira-se Nuno Lopes e Anabela Moreira, extraordinários na transfiguração brutal que sobre si operam." Jorge Leitão Ramos, Expresso de 08/10/2011