São Pedro do Sul
Com o modelo de executivos saídos das Assembleias Municipais "teremos listas na Assembleia Municipal constituídas por pessoas mais capazes", afirma Daniel Martins em entrevista à Gazeta da Beira...
Daniel Martins, 37 anos, advogado, é deputado municipal em S. Pedro do Sul onde lidera a bancada do PS. Actualmente exerce as funções de director da Unidade de Gestão da Rede Nacional de Serviços de Atendimento na Agência para a Modernização Administrativa, I.P., Lisboa.
Carmo Bica
GB – Qual o balanço que faz destes dois anos a liderar a bancada do PS na Assembleia Municipal de S. Pedro do Sul?
DM – Embora não estejam ainda completos os dois anos de mandato, faço um balanço positivo. Conseguimos criar um apoio forte junto da juventude e contribuímos para uma melhoria na qualidade do debate travado no seio da Assembleia Municipal. Apresentando propostas várias (infelizmente quase sempre sem a aceitação da bancada da maioria, ainda que, «à porta fechada», nos confessem a qualidade das mesmas) e criticando de forma construtiva as provenientes de outros grupos parlamentares, creio que iniciámos uma nova forma de fazer oposição em S. Pedro do Sul. Posso dizer com segurança que somos hoje um grupo coeso, apostado num projecto unitário para melhorar a vida dos sampedrenses.
GB - Quais as principais limitações que vê nos poderes e competências da Assembleia Municipal?
DM – Diria que o problema não reside nas competências da Assembleia Municipal, mas antes no modo como são exercidas pelos seus membros, essencialmente pelos que representam a maioria. Não deixa de ser caricato que todas as propostas levadas à Assembleia Municipal sob proposta do Executivo sejam votadas cegamente pela maioria, sem nenhuma espécie de crítica ou reparo. Este alinhamento quase cego e acrítico entre a Câmara e a Assembleia Municipal contribui para o desinteresse dos cidadãos pela política e justifica o facto das sessões públicas estarem sempre sem cidadãos assistir ou a participar. Por mais que tentemos promover o debate e discutir as ideias, o chumbo das propostas está garantido à partida, independentemente da qualidade que possam revestir. Veja-se a título exemplificativo a proposta de criação de uma Loja do Cidadão em S. Pedro do Sul, que acabou por merecer o chumbo por parte da maioria do poder, constituindo caso único no país, apenas e tão só porque fomos nós que a apresentámos! Esperemos que um dia surja o contrário e que ainda consigamos ir a tempo, ficando desde já garantido o voto favorável da bancada que represento.
GB – Está em discussão a reforma administrativa que prevê a possibilidade de executivos homogéneos. Considera que esse facto, se não forem devidamente reforçadas as competências da Assembleia Municipal, poderá contribuir para diminuir a qualidade da democracia local?
DM – A democracia local com maiorias é uma pura ficção. Sejamos claros e objectivos: com o actual modelo, sempre que a Câmara Municipal e a Assembleia Municipal sejam constituídas maioritariamente por uma força partidária não existe democracia. Pode parecer estranho vindo de uma pessoa que lidera uma bancada de um partido minoritário, mas, pela constatação que acabei de fazer, defendo, aliás há muito, a existência de executivos homogéneos. Pelo menos, com estes, acaba-se com a aparência democrática que, de facto, não existe. Venham, pois, os executivos homogéneos e reforcem-se de forma efectiva os poderes da Assembleia Municipal. Talvez aí se consiga reforçar a qualidade do debate local. Se, porventura, não se conseguir, diria que pior não ficamos, antes pelo contrário, pois deixaremos de ter vereadores eleitos pelos partidos minoritários, desprovidos de todo e qualquer poder, a maior parte das vezes vistas por quem está no poder como figuras meramente decorativas, sem que seja apreciado e valorizado o trabalho de qualidade que muitas das vezes realizam e sem auferirem nenhum tipo de retribuição.
GB – Se avançar o modelo de executivos saídos das assembleias municipais, e não se verificando uma maioria clara, considera que o presidente da Câmara deve ser, em qualquer caso, o cabeça de lista da lista mais votada ou deve resultar de uma maioria encontrada na assembleia municipal?
DM – Deve ser, sem nenhuma espécie de dúvida, o presidente da lista mais votada. Tal modelo, espero, haverá de contribuir para uma maior consciência cívica dos cidadãos, que passarão a votar em maior número e de uma forma mais consequente. Como vantagens acrescidas, o julgamento sobre a governação pelos cidadãos será mais fácil de fazer no final do mandato, acabando-se com o «sacudir da água do capote» e com a culpabilização dos «outros», e teremos listas na Assembleia Municipal constituídas por pessoas mais capazes. Em suma, garantida que esteja a sua proporcionalidade, devolveremos à Assembleia Municipal o papel que deve ter, colocando-se fim à ideia de que é um órgão que apenas serve para dizer ámen ao executivo e que, por isso, quanto menos capacitados forem os seus membros, menos problemas levantam ao executivo.
GB – Que novas competências deverão ser atribuídas à AM face ao anunciado fim dos executivos municipais de eleição directa?
DM – Os poderes de fiscalização da Assembleia Municipal terão de ser naturalmente reforçados, designadamente no que toca às empresas municipais, uma espécie de icebergs do poder local, em que apenas uma pequena parte se conhece. No entanto, o maior poder de que as Assembleias Municipais deveriam ser dotadas seria o de alterar as propostas de orçamento submetidas pelo executivo.
GB – A verificar-se a saída dos presidentes das Juntas de Freguesia da AM, como deverá ser articulada a sua acção com o executivo municipal? Em que medida deverão ser reforçadas as competências e os orçamentos das freguesias num novo modelo que exclua os seus presidentes da AM?
DM – A saída dos Presidentes das Juntas de Freguesia da Assembleia Municipal é um mal menor, na medida em que a maior parte deles já não se encontra verdadeiramente lá. O actual sistema, baseado nas poucas competências atribuídas às Freguesias, acaba por transformar os seus Presidentes em pessoas com pouco ou nenhum distanciamento relativamente aos executivos camarários, obrigando-os a compromissos mais ou menos discretos com a promessa de obras em troca, a bem das populações que representam e que os elegeu. Analise-se o número de intervenções de Presidentes da Junta contra posições assumidas pelas Câmaras Municipais ou, em alternativa, aquelas em que, tendo tal sucedido, se traduziram depois em obras feitas nessas mesmas freguesias. Se as competências forem legal e directamente atribuídas às Freguesias, sem necessidade de delegações por parte dos Executivos, com a correspondente atribuição de recursos financeiros, os Presidentes de Junta de Freguesia ganharão maior autonomia e distanciamento e verdadeira capacidade de acção política, que hoje não têm.
GB – Há quem considere que a Reforma da Administração Local que está em curso, se vier a concretizar-se, como tudo indica, será um enorme retrocesso na qualidade da democracia local, alegadamente pelo aumento dos poderes dos presidentes de Câmara que, para além das competências reforçadas nos respectivos municípios, passam a ter atribuições ao nível supramunicipal através das Comunidades Inter Municipais (CIM). Partilha destas preocupações?
DM – Não. Em primeiro lugar, diria que a mudança é mais aparente que real, na medida em que os Presidentes de Câmara, pelo menos os que vêem o seu poder assente em maiorias, dispõem já hoje de um poder substancial. Em segundo, sou favorável ao reforço dos poderes para quem ganha as eleições, desde que acompanhado de maiores poderes para a Assembleia Municipal. É a única forma de evitar que os poderes do executivo se transformem em poderes absolutos e/ou ilimitados. No entanto, quem é eleito deve governar sem nenhumas limitações ou entraves, seguindo as linhas do programa que submeteu a votação. Se as não seguir ou seguir de forma errada, sofre as consequências dos poderes de fiscalização da Assembleia Municipal ou do povo na eleição seguinte. Por fim, sou absolutamente favorável ao reforço das CIM, sob pena da sua existência deixar de fazer qualquer sentido, antes servindo para um aumento das despesas públicas e como meras executoras de programas comunitários.
GB – Iniciou-se agora o período de discussão pública do PDM de S. Pedro do Sul. Quais os principais pontos críticos aos quais os cidadãos devem dar a maior atenção?
DM – O principal ponto crítico é, passe a expressão, participarem criticamente. É lamentável que um concelho como o de S. Pedro do Sul tenha estado tanto tempo sem rever o PDM e que as pessoas tenham assistido impávidas e serenas. O PDM é um elemento estruturante de qualquer concelho, seja para a fixação de indústria, seja para a fixação de populações. Existem hoje freguesias no concelho que quase não têm áreas para construir, acabando os seus habitantes por sair para concelhos vizinhos, sendo quase sempre certo que, quem vai, não volta.
GB – Tendo em conta a importância do PDM enquanto instrumento de planeamento do desenvolvimento do concelho, considera que as metodologias a que a CM recorreu para promover a participação das pessoas são adequadas e suficientes?
DM – Nunca são suficientes, mas, enquanto cidadãos, não nos podemos limitar a esperar sentados que nos ofereçam tudo de bandeja. Cabe aos partidos e associações cívicas promover e alertar para a importância e necessidade de discussão do PDM, mas também aos cidadãos. São estes os principais interessados na discussão de um instrumento tão determinante, pelo que não podem cair na passividade a que vimos assistindo nas últimas décadas.
GB – O concelho de S. Pedro do Sul foi alvo de grandes incêndios no Verão de 2010. Em que medida o plano de florestação existente corresponde à necessidade de criar uma floresta sustentável, com base nos seus usos múltiplos e biodiversidade em ordem a um melhor ambiente, paisagem e qualidade de vida das populações?
DM – A preservação florestal constitui um dos problemas de mais difícil resolução em Portugal, seja pela sua propriedade se encontrar dispersa por uma multiplicidade de proprietários, de onde resulta a pouca rentabilidade que dela retiram e o consequente investimento reduzido que nela fazem para protecção, seja por não dispormos de um sistema profissional de definição e execução de uma verdadeira política florestal. Nunca me esqueço, a este propósito, do papel que era atribuído nesta sede à esdrúxula figura dos governadores civis. A política da defesa florestal constitui um bom exemplo de algo que tem de reunir o maior consenso entre os partidos, senão de todos, pelo menos de entre os que constituem o arco do poder, de modo a que não seja sucessivamente alterada de 4 em 4 anos. O concelho de S. Pedro do Sul seria um concelho com óptimas condições para assumir o papel de piloto numa política florestal diversificada, aliando uma componente ligada à indústria a uma outra ligada ao turismo e à paisagem. Infelizmente, os poderes dos municípios não são aqui tão determinantes quanto se pretenderia.
GB – A CM de São Pedro do Sul é das mais endividadas do país e também das que tem maior peso do seu orçamento com salários. Como justifica este facto tendo em conta que a CM de S. Pedro do Sul tem nas Termas uma importante fonte de riqueza?
DM – Parecendo uma contradição e quase uma provocação, uma das razões para S. Pedro do Sul estar tão endividado como está e ter um peso orçamental tão grande como tem ao nível dos salários é exactamente dispor de umas Termas com o potencial que as nossas têm. Assumidas como pedra de toque por todos os executivos camarários, foram sempre a justificação para se proceder a massivas, mas precárias e intermitentes, contratações de pessoas. Como repito vezes sem conta, os municípios não podem ser os maiores empregadores do concelho, como acontece em S. Pedro do Sul. As Termas deveriam ter sido exploradas e orientadas para criar postos de trabalho por privados e não pela administração local. O município tem de se assumir como facilitador na criação e captação de postos de trabalho e não como um empregador. Tivessem sido seguidas as opiniões de quem, de forma independente, elaborou estudo sobre as Termas, apostando noutras classes de público- alvo e hoje, porventura, teríamos menos desempregados e menos preponderância do peso dos salários no orçamento.
GB – Ao nível das políticas intermunicipais, há quem considere que a CM de S. Pedro do Sul tem andado de costas voltadas para os outros municípios de Lafões. Concorda com esta opinião?
DM – Salvo raras excepções, os municípios andam sempre costas voltadas uns para os outros. Isso não constitui um exclusivo de S. Pedro do Sul. Sucede em S. Pedro do Sul e na generalidade dos concelhos, não tanto por questões políticas, mas essencialmente para defesa de interesses bacocos e mesquinhos, promovidos por caciques locais, muitas das vezes sem motivos aparentes ou apenas para auto-justificar a sua existência. Infelizmente, constato que se trata de um questão que os municípios são incapazes de resolver por si só. Podem atribuir-se toda a espécie de benesses para os municípios que optem pela fusão. Tal nunca acontecerá se não for por via de uma decisão da administração central, que defendo em absoluto. A reforma administrativa em curso é uma oportunidade perdida por não ter optado por uma profunda alteração no mapa municipal, consubstanciando-se numa fusão de municípios. Colocando a questão ao nível dos concelhos de Lafões, fará sentido, à luz da conjuntura em que vivemos, termos cada um dos concelhos com os seus executivos camarários e Assembleias Municipais, com os seus tribunais, centros de saúde, repartições de finanças, centros locais de segurança social? Claro que não faz. Vejam-se os custos de todos estes serviços em termos de rendas, salários, manutenção de estruturas, etc.. Só por provincianismo cego se insiste na duplicação destes serviços. S. Pedro do Sul, Vouzela e Oliveira de Frades deveriam estar unidos na fusão de todos estes serviços. Hoje dispomos de tecnologia que nos permite aceder a todos os serviços sem que eles tenham de estar fisicamente presentes ou, quando muito, com uma presença tão numerosa quanto temos hoje e sem que daí resultem prejuízos para as populações. Isto para não falar nos custos associados ao funcionamento simultâneo de todas as autarquias…
GB – A haver uma política intermunicipal para a região de Lafões, que áreas de intervenção deverão ser privilegiadas?
DM – Não defendo uma política intermunicipal para Lafões. Defendo uma política municipal para o concelho de Lafões, que deveria ser criando tão cedo quanto possível.
GB – Há vários serviços públicos que encerraram, na região de Lafões, e outros em vias de encerrar, nomeadamente de Saúde, Finanças, Agricultura e Tribunais. Como deveria ser pensada a reorganização dos serviços públicos em Lafões?
DM – Tal como os 3 concelhos deviam ser objectos de uma fusão, também os serviços públicos deveriam seguir igual caminho. A integração de diferentes serviços públicos num único local é o caminho que tem de ser seguido. Desta integração não resultam perdas na qualidade do serviço nos locais onde, porventura tais serviços deixem de existir, pelo contrário. Por um lado, a tecnologia existente e presente em todos os locais permite a prestação de serviços à distância, muitos com atendimentos assistidos. Por outro, existem hoje municípios, como Palmela, que optaram por unidades móveis de serviços públicos, com percursos e paragens previamente definidas e agendamentos.
GB – Ao nível do ensino e da formação profissional, concorda com a ideia de haver uma entidade coordenadora na região que torne a oferta complementar em vez de competitiva? Não poderiam ser os municípios a assumir esse papel?
DM – O ensino e formação profissional tem de ser competitivo, orientado para as necessidades locais e focado para capacitar as populações de competências efectivamente úteis e necessárias ao mercado de trabalho local. Esta tarefa não pode e não deve ser assumida pelos municípios, que não dispõem de qualificação nem meios para isso e que, para passarem a dispor, teriam desuportar custos incomportáveis.
In Gazeta da Beira, 10/11/2011
Carmo Bica
GB – Qual o balanço que faz destes dois anos a liderar a bancada do PS na Assembleia Municipal de S. Pedro do Sul?
DM – Embora não estejam ainda completos os dois anos de mandato, faço um balanço positivo. Conseguimos criar um apoio forte junto da juventude e contribuímos para uma melhoria na qualidade do debate travado no seio da Assembleia Municipal. Apresentando propostas várias (infelizmente quase sempre sem a aceitação da bancada da maioria, ainda que, «à porta fechada», nos confessem a qualidade das mesmas) e criticando de forma construtiva as provenientes de outros grupos parlamentares, creio que iniciámos uma nova forma de fazer oposição em S. Pedro do Sul. Posso dizer com segurança que somos hoje um grupo coeso, apostado num projecto unitário para melhorar a vida dos sampedrenses.
GB - Quais as principais limitações que vê nos poderes e competências da Assembleia Municipal?
DM – Diria que o problema não reside nas competências da Assembleia Municipal, mas antes no modo como são exercidas pelos seus membros, essencialmente pelos que representam a maioria. Não deixa de ser caricato que todas as propostas levadas à Assembleia Municipal sob proposta do Executivo sejam votadas cegamente pela maioria, sem nenhuma espécie de crítica ou reparo. Este alinhamento quase cego e acrítico entre a Câmara e a Assembleia Municipal contribui para o desinteresse dos cidadãos pela política e justifica o facto das sessões públicas estarem sempre sem cidadãos assistir ou a participar. Por mais que tentemos promover o debate e discutir as ideias, o chumbo das propostas está garantido à partida, independentemente da qualidade que possam revestir. Veja-se a título exemplificativo a proposta de criação de uma Loja do Cidadão em S. Pedro do Sul, que acabou por merecer o chumbo por parte da maioria do poder, constituindo caso único no país, apenas e tão só porque fomos nós que a apresentámos! Esperemos que um dia surja o contrário e que ainda consigamos ir a tempo, ficando desde já garantido o voto favorável da bancada que represento.
GB – Está em discussão a reforma administrativa que prevê a possibilidade de executivos homogéneos. Considera que esse facto, se não forem devidamente reforçadas as competências da Assembleia Municipal, poderá contribuir para diminuir a qualidade da democracia local?
DM – A democracia local com maiorias é uma pura ficção. Sejamos claros e objectivos: com o actual modelo, sempre que a Câmara Municipal e a Assembleia Municipal sejam constituídas maioritariamente por uma força partidária não existe democracia. Pode parecer estranho vindo de uma pessoa que lidera uma bancada de um partido minoritário, mas, pela constatação que acabei de fazer, defendo, aliás há muito, a existência de executivos homogéneos. Pelo menos, com estes, acaba-se com a aparência democrática que, de facto, não existe. Venham, pois, os executivos homogéneos e reforcem-se de forma efectiva os poderes da Assembleia Municipal. Talvez aí se consiga reforçar a qualidade do debate local. Se, porventura, não se conseguir, diria que pior não ficamos, antes pelo contrário, pois deixaremos de ter vereadores eleitos pelos partidos minoritários, desprovidos de todo e qualquer poder, a maior parte das vezes vistas por quem está no poder como figuras meramente decorativas, sem que seja apreciado e valorizado o trabalho de qualidade que muitas das vezes realizam e sem auferirem nenhum tipo de retribuição.
GB – Se avançar o modelo de executivos saídos das assembleias municipais, e não se verificando uma maioria clara, considera que o presidente da Câmara deve ser, em qualquer caso, o cabeça de lista da lista mais votada ou deve resultar de uma maioria encontrada na assembleia municipal?
DM – Deve ser, sem nenhuma espécie de dúvida, o presidente da lista mais votada. Tal modelo, espero, haverá de contribuir para uma maior consciência cívica dos cidadãos, que passarão a votar em maior número e de uma forma mais consequente. Como vantagens acrescidas, o julgamento sobre a governação pelos cidadãos será mais fácil de fazer no final do mandato, acabando-se com o «sacudir da água do capote» e com a culpabilização dos «outros», e teremos listas na Assembleia Municipal constituídas por pessoas mais capazes. Em suma, garantida que esteja a sua proporcionalidade, devolveremos à Assembleia Municipal o papel que deve ter, colocando-se fim à ideia de que é um órgão que apenas serve para dizer ámen ao executivo e que, por isso, quanto menos capacitados forem os seus membros, menos problemas levantam ao executivo.
GB – Que novas competências deverão ser atribuídas à AM face ao anunciado fim dos executivos municipais de eleição directa?
DM – Os poderes de fiscalização da Assembleia Municipal terão de ser naturalmente reforçados, designadamente no que toca às empresas municipais, uma espécie de icebergs do poder local, em que apenas uma pequena parte se conhece. No entanto, o maior poder de que as Assembleias Municipais deveriam ser dotadas seria o de alterar as propostas de orçamento submetidas pelo executivo.
GB – A verificar-se a saída dos presidentes das Juntas de Freguesia da AM, como deverá ser articulada a sua acção com o executivo municipal? Em que medida deverão ser reforçadas as competências e os orçamentos das freguesias num novo modelo que exclua os seus presidentes da AM?
DM – A saída dos Presidentes das Juntas de Freguesia da Assembleia Municipal é um mal menor, na medida em que a maior parte deles já não se encontra verdadeiramente lá. O actual sistema, baseado nas poucas competências atribuídas às Freguesias, acaba por transformar os seus Presidentes em pessoas com pouco ou nenhum distanciamento relativamente aos executivos camarários, obrigando-os a compromissos mais ou menos discretos com a promessa de obras em troca, a bem das populações que representam e que os elegeu. Analise-se o número de intervenções de Presidentes da Junta contra posições assumidas pelas Câmaras Municipais ou, em alternativa, aquelas em que, tendo tal sucedido, se traduziram depois em obras feitas nessas mesmas freguesias. Se as competências forem legal e directamente atribuídas às Freguesias, sem necessidade de delegações por parte dos Executivos, com a correspondente atribuição de recursos financeiros, os Presidentes de Junta de Freguesia ganharão maior autonomia e distanciamento e verdadeira capacidade de acção política, que hoje não têm.
GB – Há quem considere que a Reforma da Administração Local que está em curso, se vier a concretizar-se, como tudo indica, será um enorme retrocesso na qualidade da democracia local, alegadamente pelo aumento dos poderes dos presidentes de Câmara que, para além das competências reforçadas nos respectivos municípios, passam a ter atribuições ao nível supramunicipal através das Comunidades Inter Municipais (CIM). Partilha destas preocupações?
DM – Não. Em primeiro lugar, diria que a mudança é mais aparente que real, na medida em que os Presidentes de Câmara, pelo menos os que vêem o seu poder assente em maiorias, dispõem já hoje de um poder substancial. Em segundo, sou favorável ao reforço dos poderes para quem ganha as eleições, desde que acompanhado de maiores poderes para a Assembleia Municipal. É a única forma de evitar que os poderes do executivo se transformem em poderes absolutos e/ou ilimitados. No entanto, quem é eleito deve governar sem nenhumas limitações ou entraves, seguindo as linhas do programa que submeteu a votação. Se as não seguir ou seguir de forma errada, sofre as consequências dos poderes de fiscalização da Assembleia Municipal ou do povo na eleição seguinte. Por fim, sou absolutamente favorável ao reforço das CIM, sob pena da sua existência deixar de fazer qualquer sentido, antes servindo para um aumento das despesas públicas e como meras executoras de programas comunitários.
GB – Iniciou-se agora o período de discussão pública do PDM de S. Pedro do Sul. Quais os principais pontos críticos aos quais os cidadãos devem dar a maior atenção?
DM – O principal ponto crítico é, passe a expressão, participarem criticamente. É lamentável que um concelho como o de S. Pedro do Sul tenha estado tanto tempo sem rever o PDM e que as pessoas tenham assistido impávidas e serenas. O PDM é um elemento estruturante de qualquer concelho, seja para a fixação de indústria, seja para a fixação de populações. Existem hoje freguesias no concelho que quase não têm áreas para construir, acabando os seus habitantes por sair para concelhos vizinhos, sendo quase sempre certo que, quem vai, não volta.
GB – Tendo em conta a importância do PDM enquanto instrumento de planeamento do desenvolvimento do concelho, considera que as metodologias a que a CM recorreu para promover a participação das pessoas são adequadas e suficientes?
DM – Nunca são suficientes, mas, enquanto cidadãos, não nos podemos limitar a esperar sentados que nos ofereçam tudo de bandeja. Cabe aos partidos e associações cívicas promover e alertar para a importância e necessidade de discussão do PDM, mas também aos cidadãos. São estes os principais interessados na discussão de um instrumento tão determinante, pelo que não podem cair na passividade a que vimos assistindo nas últimas décadas.
GB – O concelho de S. Pedro do Sul foi alvo de grandes incêndios no Verão de 2010. Em que medida o plano de florestação existente corresponde à necessidade de criar uma floresta sustentável, com base nos seus usos múltiplos e biodiversidade em ordem a um melhor ambiente, paisagem e qualidade de vida das populações?
DM – A preservação florestal constitui um dos problemas de mais difícil resolução em Portugal, seja pela sua propriedade se encontrar dispersa por uma multiplicidade de proprietários, de onde resulta a pouca rentabilidade que dela retiram e o consequente investimento reduzido que nela fazem para protecção, seja por não dispormos de um sistema profissional de definição e execução de uma verdadeira política florestal. Nunca me esqueço, a este propósito, do papel que era atribuído nesta sede à esdrúxula figura dos governadores civis. A política da defesa florestal constitui um bom exemplo de algo que tem de reunir o maior consenso entre os partidos, senão de todos, pelo menos de entre os que constituem o arco do poder, de modo a que não seja sucessivamente alterada de 4 em 4 anos. O concelho de S. Pedro do Sul seria um concelho com óptimas condições para assumir o papel de piloto numa política florestal diversificada, aliando uma componente ligada à indústria a uma outra ligada ao turismo e à paisagem. Infelizmente, os poderes dos municípios não são aqui tão determinantes quanto se pretenderia.
GB – A CM de São Pedro do Sul é das mais endividadas do país e também das que tem maior peso do seu orçamento com salários. Como justifica este facto tendo em conta que a CM de S. Pedro do Sul tem nas Termas uma importante fonte de riqueza?
DM – Parecendo uma contradição e quase uma provocação, uma das razões para S. Pedro do Sul estar tão endividado como está e ter um peso orçamental tão grande como tem ao nível dos salários é exactamente dispor de umas Termas com o potencial que as nossas têm. Assumidas como pedra de toque por todos os executivos camarários, foram sempre a justificação para se proceder a massivas, mas precárias e intermitentes, contratações de pessoas. Como repito vezes sem conta, os municípios não podem ser os maiores empregadores do concelho, como acontece em S. Pedro do Sul. As Termas deveriam ter sido exploradas e orientadas para criar postos de trabalho por privados e não pela administração local. O município tem de se assumir como facilitador na criação e captação de postos de trabalho e não como um empregador. Tivessem sido seguidas as opiniões de quem, de forma independente, elaborou estudo sobre as Termas, apostando noutras classes de público- alvo e hoje, porventura, teríamos menos desempregados e menos preponderância do peso dos salários no orçamento.
GB – Ao nível das políticas intermunicipais, há quem considere que a CM de S. Pedro do Sul tem andado de costas voltadas para os outros municípios de Lafões. Concorda com esta opinião?
DM – Salvo raras excepções, os municípios andam sempre costas voltadas uns para os outros. Isso não constitui um exclusivo de S. Pedro do Sul. Sucede em S. Pedro do Sul e na generalidade dos concelhos, não tanto por questões políticas, mas essencialmente para defesa de interesses bacocos e mesquinhos, promovidos por caciques locais, muitas das vezes sem motivos aparentes ou apenas para auto-justificar a sua existência. Infelizmente, constato que se trata de um questão que os municípios são incapazes de resolver por si só. Podem atribuir-se toda a espécie de benesses para os municípios que optem pela fusão. Tal nunca acontecerá se não for por via de uma decisão da administração central, que defendo em absoluto. A reforma administrativa em curso é uma oportunidade perdida por não ter optado por uma profunda alteração no mapa municipal, consubstanciando-se numa fusão de municípios. Colocando a questão ao nível dos concelhos de Lafões, fará sentido, à luz da conjuntura em que vivemos, termos cada um dos concelhos com os seus executivos camarários e Assembleias Municipais, com os seus tribunais, centros de saúde, repartições de finanças, centros locais de segurança social? Claro que não faz. Vejam-se os custos de todos estes serviços em termos de rendas, salários, manutenção de estruturas, etc.. Só por provincianismo cego se insiste na duplicação destes serviços. S. Pedro do Sul, Vouzela e Oliveira de Frades deveriam estar unidos na fusão de todos estes serviços. Hoje dispomos de tecnologia que nos permite aceder a todos os serviços sem que eles tenham de estar fisicamente presentes ou, quando muito, com uma presença tão numerosa quanto temos hoje e sem que daí resultem prejuízos para as populações. Isto para não falar nos custos associados ao funcionamento simultâneo de todas as autarquias…
GB – A haver uma política intermunicipal para a região de Lafões, que áreas de intervenção deverão ser privilegiadas?
DM – Não defendo uma política intermunicipal para Lafões. Defendo uma política municipal para o concelho de Lafões, que deveria ser criando tão cedo quanto possível.
GB – Há vários serviços públicos que encerraram, na região de Lafões, e outros em vias de encerrar, nomeadamente de Saúde, Finanças, Agricultura e Tribunais. Como deveria ser pensada a reorganização dos serviços públicos em Lafões?
DM – Tal como os 3 concelhos deviam ser objectos de uma fusão, também os serviços públicos deveriam seguir igual caminho. A integração de diferentes serviços públicos num único local é o caminho que tem de ser seguido. Desta integração não resultam perdas na qualidade do serviço nos locais onde, porventura tais serviços deixem de existir, pelo contrário. Por um lado, a tecnologia existente e presente em todos os locais permite a prestação de serviços à distância, muitos com atendimentos assistidos. Por outro, existem hoje municípios, como Palmela, que optaram por unidades móveis de serviços públicos, com percursos e paragens previamente definidas e agendamentos.
GB – Ao nível do ensino e da formação profissional, concorda com a ideia de haver uma entidade coordenadora na região que torne a oferta complementar em vez de competitiva? Não poderiam ser os municípios a assumir esse papel?
DM – O ensino e formação profissional tem de ser competitivo, orientado para as necessidades locais e focado para capacitar as populações de competências efectivamente úteis e necessárias ao mercado de trabalho local. Esta tarefa não pode e não deve ser assumida pelos municípios, que não dispõem de qualificação nem meios para isso e que, para passarem a dispor, teriam desuportar custos incomportáveis.
In Gazeta da Beira, 10/11/2011