17.3.12

Millennium 1: Os Homens Que Odeiam as Mulheres
Título original: The Girl with the Dragon Tattoo
De: David Fincher
Com: Daniel Craig, Rooney Mara, Christopher Plummer, Stellan Skarsgård
Género: Drama, Thriller
Classificação: M/16
Outros dados: GB/ALE/EUA/SUE, 2011, Cores, 158 min.

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"Não é preciso ser bruxo para adivinhar o que terá levado David Fincher a adaptar ao cinema o primeiro tomo da trilogia “Millennium”, de Stieg Larsson (“Os Homens Que Odeiam as Mulheres”). De facto, além de um conjunto de fixações comuns (enigmas bíblicos, o sadismo, a violência...), o que faz convergir em profundidade os universos da saga de Larsson e do cinema de Fincher é a sua mesma paixão pelos processos de inquérito, isto é: pelo exercício de apuramento de uma verdade essencial que se esconde sob as aparências. No caso do cineasta, trata-se de uma evidência: a despeito dos géneros que abraçam (do thriler ao melodrama), os seus filmes articulam-se, invariavelmente, em função do modo como encenam o trabalho de reconstituição de uma verdade objetiva (a determinação da identidade de um serial killer, por exemplo) que, quase sempre, implica o confronto daqueles que a investigam com a sua própria verdade — é assim com o Nicholas Van Orton de “O Jogo”, com o Robert Graysmith de “Zodiac”, e por aí fora. Nesse sentido, esta recriação do primeiro episódio da trilogia (cujos restantes capítulos Fincher irá verter para cinema nos próximos anos) limita-se a confirmar a coerência do percurso do cineasta, sancionando a etapa inaugural do processo de descoberta da identidade velada de uma personagem (Lisbeth Salander). "

"Mas vamos por partes. Estamos na Suécia dos nossos dias e, de início, seguimos em montagem paralela os trajetos independentes das duas personagens centrais da saga: Mikael Blomkvist (Craig), o incorruptível editor da revista que dá nome ao filme, e Lisbeth Salander (Mara), uma hacker com cara de poucos amigos que se infiltra no computador de Blomkvist para sobre ele preparar um relatório. O relatório, esse, tem como destinatário um velho empresário (Plummer), que irá confiar a Blomkvist a missão de reabrir uma investigação relativa à sua sobrinha, que desapareceu sem deixar rasto... nos anos 60. Blomkvist lança então mãos à obra, iniciando uma série de diligências que decorrerão lado a lado com o relato das atribulações de Salander (que está sob a tutela de um guardião legal cujo sadismo não conhece limites). Mas não demorará muito até que estas duas linhas paralelas se cruzem. Com efeito, dadas as dificuldades da investigação, Blomkvist solicitará ao empresário a ajuda de uma assistente, e cedo Salander se juntará a ele para solucionar o mistério pendente."

"Porém, mais do que os eventos da narrativa, o que no livro de Larsson é essencial é o seu décor, ou seja: o retrato (pintado em tons gélidos) de uma sociedade corrupta onde as instituições que deveriam zelar pela lei são as primeiras a quebrá-la. Ora, para captar o ambiente deste capítulo da trilogia, Fincher teve, pela primeira vez na sua carreira, de readaptar uma matéria fílmica preexistente: a da versão escandinava da saga, realizada para cinema e televisão por Niels Arden Oplev e Daniel Alfredson. Em relação a ela, o filme de Fincher é mais fiel ao texto, evitando assim os saltos narrativos que, por falta de um trabalho de argumento e montagem adequado, feriam a versão anterior. Aliás, é essa colagem à escrita de Larsson — juntamente com uma escala de planos mais rente aos corpos e com os tons quentes que suavizam algumas cenas de interiores — que permite a Fincher explorar com maior sucesso do que os seus antecessores a intimidade que se vai tecendo entre as duas personagens. E, no campo da mise en scène, só se lamenta que o cineasta recorra aos travellings mais pour faire jolie do que, propriamente, para veicular aquela sensação de inquietude latente que atravessa as páginas do romance (tarefa que, aqui, parece competir, em exclusivo, à banda sonora atmosférica e minimalista de Trent Reznor e Atticus Ross). "



"Não é um grande filme? Não, não é. Mas é, certamente, uma bela adaptação de um belo romance." Vasco Baptista Marques, Expresso de 14/01/2012.