10.4.12

Cavalo de Guerra
Título original: War Horse
De: Steven Spielberg
Com: Jeremy Irvine, Peter Mullan, Emily Watson
Género: Drama, Guerra
Classificação: M/12
Outros dados: EUA, 2011, Cores, 146 min.

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"Depois de dois filmes menores dominados ora pela revisitação da sua própria obra (“Indiana Jones”, capítulo IV) ora pela exploração das possibilidades do 3D (“Tintin”, capítulo I), Spielberg regressa com um trabalho que nos reinstala num território temático que o seu cinema tem vindo a pisar regularmente: o do paraíso perdido (infância, pátria ou família), ao qual será preciso retornar após uma separação violenta que implica a dissolução dos vínculos e a perda da inocência (é assim em “Império do Sol” e em “A Guerra dos Mundos”). E, por falar nisso, diga-se que esta adaptação do romance homónimo de Michael Morpurgo começa, justamente, por implantar-nos num duplo território: o território geográfico da Inglaterra rural de inícios do século XX e o território estético do cinema clássico americano."

"De resto, basta ver a sequência inaugural do filme (onde a câmara sobrevoa, ao som de uma flauta lírica, os prados verdejantes do countryside) para sentir a respiração clássica do novo Spielberg. Trata-se de uma primeira impressão que é confirmada quando a câmara desce à terra para olhar a amizade dos dois heróis do filme: um pobre adolescente que o cineasta retrata, de modo naif, como o campeão do otimismo; e o cavalo no qual o seu pai empenha as escassas poupanças da família. O que se segue é a demorada descrição (às vezes em contrapicados que parecem invocar o céu como testemunha) de um idílio, de uma amizade sagrada, que será testada por um conjunto de pequenas provações."

"Ora, o ritmo langoroso que marca o primeiro terço do filme será abruptamente abalado pelo início da I Guerra Mundial, que, forçando a venda do cavalo a um oficial de cavalaria, dissolve as núpcias e precipita o desenvolvimento da ação. A partir daí, o que temos é a remissão do rapaz para o fora de campo e a conversão do cavalo em testemunha de uma série de histórias que, em virtude da guerra, parecem acabar assim que começam (como se a guerra impedisse, por definição, a evolução de qualquer narrativa). Neste quadro, cadenciado pela passagem do cavalo de dono em dono, destaca-se uma sequência que atesta bem o classicismo e a subtileza da mise en scène de Spielberg: aquela em que o extermínio de uma brigada de cavalaria nos é sugerido pela violenta (e quase griffithiana) oposição dos planos dos disparos da artilharia aos planos de um bando de cavalos galopando sem cavaleiros (numa pudica alusão a um fora de campo mortal que Ford não desdenharia)."

"Mas, entenda-se: o cineasta só se dedica aqui ao relato da deriva do seu protagonista hípico na medida em que ele lhe serve para preparar, por contraste, o relato do seu regresso a casa (processo iniciado com a chegada à frente de batalha do rapaz tornado adulto). De facto, até na sua estrutura, o filme não poderia ser mais clássico, encenando um drama em três atos (separação, errância, reunião) que vai buscar o seu ritmo à “Odisseia” de Homero e à parábola bíblica do filho pródigo. Dir-se-á que Spielberg mais não faz do que viver da herança que o cinema clássico americano lhe deixou. Certo."



"Mas o que nos comove no filme é — mais do que os seus paroxismos de lamechice ou do que a sua fixação na memória de uma infância perdida — o modo naif da sua referência a essa herança, isto é, o modo como recusa a distância irónica e o segundo grau (o ‘como se’) para abraçar sem reservas o seu património. É esse o seu limite, sem dúvida, mas é exatamente por isso que gostamos dele." Vasco Baptista Marques, Expresso de 25/02/2012