13.4.12

Florbela
Título original:
Florbela
De: Vicente Alves do Ó

Com: Dalila Carmo, Albano Jerónimo, Ivo Canelas

Género: Drama

Classificação: M/12

Outros dados: POR, 2012, Cores, 119 min.


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"Ia completar 36 anos — o funeral foi em dia de aniversário — quando Florbela Espanca morreu, por vontade própria. Corria o ano de 1930, e o salazarismo implantava-se sobre os escombros das finanças públicas malbaratadas pelos generais da ditadura. Florbela emergira no fim dos anos 10, conhecida pelos seus versos, mas também por um comportamento libidinoso livre que, mesmo na “idade do jazz band”, como Ferro crismou aqueles anos, não calhava a uma senhora da burguesia. Trazia do berço um estigma — filha ilegítima de um pai que a acolheu, educou, pagou estudos e edições, sempre a apoiou, mas só depois da sua morte a perfilhou. Casou três vezes, e em todos os matrimónios teve ligações adúlteras. Amava tão profundamente o irmão Apeles que houve quem neles visse um ardor incestuoso — e pouco mais de dois anos resistiu ao acidente de aviação que o vitimou no Tejo, ali ao pé da Torre de Belém; o corpo nunca apareceu."

"Florbela Espanca é uma daquelas figuras portuguesas do século XX em que tudo apela ao romanesco. Excessiva e iconoclasta, alheia a todos os modernismos na poesia, mas mulher independente que reclamava uma liberdade que só os feminismos da segunda metade do século viriam a assumir, parece impossível que só agora, em 2012, Florbela tenha um filme a si dedicado. É certo que Francisco Manso já fizera um telefilme — “Nostalgia”, episódio da série “Outonos”, que o cineasta dedicou a escritores suicidários, em 1993. É verdade que Lauro António perseguiu, anos e anos, a ideia de um filme para o qual nunca conseguiu financiamento (a sua aparição em “Florbela” pode ser entendida com vénia protocolar). Agora, Vicente Alves do Ó levou a bom porto este filme, centrado num breve período da poetisa, grosso modo entre 1925 (data do seu casamento com o médico Mário Lage) e pouco depois de 1928 (data da morte de Apeles). É um momento de secura criativa que a tragédia vai, torrencialmente, modificar (os últimos anos de vida serão exatamente ao contrário)."

"Que Florbela nos aparece? Mais do que uma criadora literária, é uma mulher em permanente sede de paixão que o filme mostra, em particular pelo irmão, ligação que o cineasta quase torna carnalmente explícita. Mas sede cruelmente insaciável, como uma febre, uma doença, um anátema, paixão que agrilhoa em vez de libertar. Neste filme, ela é mais uma condenada do que alguém que lidera o seu destino, mais uma alma açoitada pelos ventos do que um espírito que provoca a tempestade. Por isso, por essa vontade de fatum que a habita, eu pediria ao filme mais tripas, mais suor, mais furor, ao verificar que Vicente Alves do Ó prefere uma narrativa arrumada e limpa, ancorada, certa, comedida."



"Não serei eu quem irá menosprezar os valores de produção, os esforços de reconstituição de época (muita “borracha” digital para apagar o panorama dos telhados de Lisboa, as ruas de Vila Viçosa, a vizinhança da Torre de Belém), o travejamento que faz de “Florbela” uma obra credível e coerente de que o grande público pode naturalmente gostar — e muito. É justo, também, sublinhar o bom trabalho dos intérpretes (em particular a dupla protagonista, Dalila Carmo e Ivo Canelas), o tom do filme, que nunca se desgoverna no emaranhado de sentimentos em que navega, a mise en scène, que tem momentos memoráveis (perfeita a longa cena da cozinha, no primeiro dia em que Florbela e Apeles se reencontram em Lisboa) quando não se deixa lavandizar por eflúvios líricos. Mas é inegável que falta risco, vertigem, sangue quente, perdição." Jorge Leitão Ramos, Expresso de 10/03/2012