14.1.13



Guia para um Final Feliz
Título original: Silver Linings Playbook
De: David O. Russell
Com: Robert De Niro, Bradley Cooper, Jennifer Lawrence
Género: Drama, Comédia
Classificação: M/12
Outros dados: EUA, 2012, Cores, 122 min.


"O sr. Solitano parece passar o filme todo ‘ao lado’. Chama-se Robert De Niro. Talvez por causa do seu estatuto, De Niro não se importa de dizer ‘sim’ a certos papéis de comédia romântica (ele até já foi “Um Sogro do Pior”...), divertindo-se com trabalhos de tom menor. Acontece que David O. Russell, mesmo nos seus piores filmes (e este não é um deles), sempre me intrigou por esse efeito de divertimento behind the scenes que o seu cinema transparece. As suas rodagens parecem ser contagiadas pelo prazer. Russell gosta disso, de um “Flirting With Disaster” (1996) — título de um filme seu que não chegou cá (com Ben Stiller e Patricia Arquette). O flirt impede-o de cair em dramatismos pesadões. O mesmo se passou com a sátira militarista que o lançou, “Três Reis” (1999). Com as trocas e baldrocas de “Os Psico-Detectives” (2004). Há 3 anos, ficou K.O. com um filme de boxe, “The Fighter — Último Round”, precisamente porque aquele género, por natureza, dá-se mal com senhores Solitano. Mas voltemos a este “Guia Para um Final Feliz” (adaptação da novela homónima de Matthew Quick): afinal, não parece que De Niro só quer desatar a rir no final de cada take?"


"O fundo, contudo, é amargo e o sr. Solitano nem é sequer o protagonista da história. Já aconchegado às pantufas, ele é um reformado de Filadélfia que vive para os touchdowns da equipa de futebol da cidade (os Eagles). O quarterback da história, o tipo que passa a bola (linguagem de futebol americano...), é o seu filho Pat (Bradley Cooper). Quando o trintão Pat volta a casa dos pais, saído do hospital psiquiátrico, vem tudo menos fino. Vamos sabendo nas entrelinhas que ele apanhou a mulher a tomar duche com um colega dela e que perdeu a cabeça. Pat está a tentar recompor-se. É um ‘aleijado do amor’ com síndroma de Peter Pan ou, se quisermos, mais uma personagem fora dos eixos de David O. Russell. Num jantar de amigos, revê alguém em quem nunca tinha pensado, Tiffany (e que graça tem Jennifer Lawrence...). Ela, que tem queda para dark lady, também tem traumas para sanar: enviuvou antes do tempo. A atração entre ambos não vai ser pera doce."


"Acertar a química de uma relação amorosa? Descobrir o seu encanto e o seu panache? Eis algo que não é nada fácil de encontrar no cinema. Deixar-se cair nos braços de alguém, quando a coisa é bem feita, requer treino, requer tempo, até se acertar o mesmo passo de dança. Temos dois seres desajustados, Pat e Tiffany, numa Filadélfia de bairro que é toda uma América conservadora. Dois seres egocêntricos e caprichosos, mimados até (veja-se o papel dos pais de um e de outro), mas dois seres, e isto é que é importante no filme, perfeitamente sinceros dos seus egos e caprichos. Ora, as personagens de Bradley Cooper e Jennifer Lawrence, seguindo o exemplo do sr. Solitano, vão aprender a relativizar as coisas, digerindo um passado pesado com um presente mundano. No fundo, vão aprender a acreditar não no drama mas no seu artifício. E se com isso reaprendem a viver — e é para aí que este filme nos leva — não é esta uma lição para ter em conta?"

"David O. Russell mudou de tom e deixa-nos aqui um lento afogar de mágoas que ganha em generosidade e afeto. Com isso, ergue um par romântico improvável que, mesmo a jogar em terreno cinematográfico batido, sabe dar tempo ao tempo e levar a água ao seu moinho para chegar à comoção. Francisco Ferreira, Expresso de 12/01/2013