19.8.07

«Anteontem, quarta-feira, o dr. Francisco Louçã resolveu responder ao meu último comentário sobre o Bloco de Esquerda. Escrevo agora sob a acusação de ser "burguês". Se "burguês" fosse uma injúria canónica como outra qualquer, não valia a pena falar da coisa. Infelizmente, não é: é uma desqualificação moral. Segundo Louçã, sou um inimigo da justiça e dos "fracos" e ele um amigo, porque recebeu uma inspiração ou um mandato do Céu, ou da teoria, para os defender. Temos de ter paciência com estes restos de marxismo que apodrecem no meio de nós. E também, para nosso mal, com os métodos polémicos da seita. Dois pontos. Louçã insiste muito em que fui deputado do PSD: fui, há 12 anos e, ao fim de quatro meses, saí. E diz que por "embuste" insinuei que o Bloco gostaria de ser eleito para o governo: não disse tal, disse que o Bloco gostaria de "entrar" nas listas do PS em 2009 e, depois, quem sabe?, para o governo. Toda a gente percebe a diferença. Confesso que fiquei surpreendido com a furiosa reacção de Louçã. Imaginei que ele estava excessivamente ocupado a salvar o mundo para se preocupar comigo. Mas depois percebi. Ontem, quinta-feira, o caso ficou claro com uma entrevista do grande guia do Bloco ao DN. O que lhe dói é que se espalhe a ideia de que o Bloco planeia, ou ambiciona, uma aliança com o PS para 2009 (a que a recente coligação na câmara dá uma certa consistência, embora ele a tente disfarçar e diminuir). No artigo de quarta-feira (contra mim), Louçã declara que o Bloco "quer destruir o mapa partidário actual, que assenta no rotativismo e no liberalismo agressivo". E quinta-feira no DN repete que o Bloco "quer destruir o mapa político" actual e quer, além disso, "destruir a hegemonia do PS" no eleitorado de esquerda e ganhar a maioria, presumivelmente ainda este século. Louçã vê, como Portugal inteiro, alguns sinais de desagregação do regime e aparentemente entrou em delírio. Vai "destruir o mapa político português", vai ganhar a maioria, vai demitir Bush, vai acabar com a guerra no Iraque, vai pôr na ordem a América do Sul e, no intervalo, o Médio Oriente. No fundo, está cheio de medo de Roseta e do PC (que não se aliaram na câmara com o PS) e está perante um partido dividido e sem destino. Este alarido a meio de Agosto (a que serviu de pretexto o meu comentário e a entrevista ao DN) é revelador. Louçã já compreendeu e tornou a compreender que Bloco precisa do PS para passar da mediocridade em que vive. Mas não lhe convém por enquanto admitir a evidência. O seu fervoroso protesto de virgindade (reiterado a despropósito no dia seguinte) só se explica por isso. Quem protesta demais...»
Vasco Pulido Valente, Público de 17/08/2007