27.9.12

Ali - O Caçador
Título original: Shekarchi
De: Rafi Pitts
Com: Rafi Pitts, Mitra Hajjar, Naser Madahi
Género: Thriller
Classificação: M/16
Outros dados: ALE/Irão, 2010, Cores, 90 min.



"Dois anos após a sua estreia em Berlim, recebemos por fim a visita da quarta longa-metragem de Rafi Pitts (a sua primeira a estrear por cá) e o encontro só peca por tardio. Nascido em 1967, Pitts vem-se afirmando desde os anos 90 como um dos mais coerentes realizadores iranianos da sua geração. Neste quadro, o novo filme (proibido no seu país) destaca-se pela natureza quase guerrilheira do olhar político que lança sobre o Irão. Entenda-se: rodado em Teerão em 2009, nas vésperas da reeleição de Mahmoud Ahmadinejad e dos violentos motins que se lhe seguiram, “Ali – O Caçador” funciona, em retrospetiva, como uma premonição das tensões políticas que haveriam de abalar o Irão de 2009-2010.  É, aliás, pela instalação de uma tensão entre os planos que o filme começa. Com efeito, Pitts dá-nos no início uma série de planos fixos sem diálogos e cronologicamente descontínuos que se relacionam entre si pelo primado dos tons quentes (vermelhos e amarelos, sobretudo) e, ainda, por uma semântica ligada ao campo da passagem e do calor (um carro a percorrer um túnel, um homem com uma carabina e o rosto iluminado pelas chamas...)."
"Mergulhamos assim, pela montagem e pela imagética, na antecâmara de um pesadelo — promessa de incêndio que o resto do filme se esforçará por cumprir. No centro da promessa vive uma personagem: Ali (Pitts, na foto), o lacónico guarda noturno de uma fábrica, a cuja psicologia o cineasta nos nega acesso, e cujo quotidiano (trabalho, casa, fim de semana com a família...) se descobre sabotado pelo uso de uma escala (entre planos gerais e grandes planos) que opõe a individualidade do protagonista ao meio opressivo no qual ela se dilui (as ruas de Teerão). O atrito desse conflito entre o pessoal e o social explodirá, narrativamente, quando – após um absurdo interrogatório policial –, Ali recebe a notícia de que a mulher e a filha morreram num tiroteio entre a polícia e manifestantes antirregime."
"Segue-se a vingança (Ali assassina dois polícias a tiros de carabina), uma perseguição de carros por estradas submersas no nevoeiro (talvez a melhor que o cinema iraniano já nos deu a ver) e a captura de Ali por dois polícias que, com ele, se perderão na floresta. Mas se o filme apostara numa duração não linear que – à custa de associações e flash forwards – transformava a vida do protagonista num pesadelo acordado, a partir daí, a canção é outra. Impondo então uma montagem sequencial onde a inquietude nasce apenas do ambiente dos planos (o nevoeiro, a floresta cerrada...), Pitts dedicar-se-á, até final, a uma alegoria política sobre a disseminação da repressão no Irão (veja-se a relação dos dois polícias). Os planos esquecem-se, assim, da tensão que a montagem neles injetava, e o que fica é uma metáfora evasiva (herdeira das que habitam os westerns de Hellman) que parece perder-se com as personagens no espaço simbólico que constrói."

"Saímos, pois, com a memória de um filme bicéfalo que, a espaços, cumpre o que promete: incendiar um país através de uma personagem que — como muitos iranianos, supomos — está pronta a explodir a qualquer instante. Vasco Baptista Marques, Expresso de 22/09/2012